Sobre homofobia, diferenças e utopias nem tão utópicas assim

quinta-feira, 17 maio, 2012

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17 de maio de 1990. Nessa data, a Organização Mundial da Saúde (OMS) retira de sua lista patologizadora de transtornos mentais a homossexualidade, tida, até aí, como uma doença digna de ser “tratada”. Nessa data, desde então, realizam-se protestos, discussões e eventos visando ao combate da homofobia, que, segundo o Aurélio, é configurada como a “aversão aos homossexuais ou ao homossexualismo”. Reparem como esse termo, “homossexualismo”, permanece presente no imaginário não só popular, mas acadêmico, “intelectual”, resquício de uma época em que a “prática homossexual” (outro termo cretino) e seus “praticantes” eram severamente recriminados e segregados, sem direito à dignidade e ao sentimento de pertença a uma sociedade acostumada a apontar, julgar e censurar, sem ao menos refletir sobre as consequências de tais comportamentos discriminatórios e conservadores. E essa é uma realidade que, infelizmente, continua atual.

As centenas de ASSASSINATOS, por ANO, de gays no Brasil, EXCLUSIVAMENTE por serem gays, são consequência dessa ideologia/prática. A recriminação aberta em países como China e Irã, cujos Estados se delegam a tarefa de perseguir e clausurar quem ousa ser diferente, também é. A auto-censura, o encobrimento, o disfarce, a culpa e a vergonha de ser e mostrar quem é também são frutos dessa violência, que nem precisa ser explícita para assim se configurar. Ou você acha, sinceramente, que piadas na hora do happy hour sobre “veadinhos” não são homofobia? Ou que o deboche àquele seu colega “meio mulherzinha” é inofensivo? Ou que olhares de desaprovação, no meio da rua, a uma moça “masculinizada”, não causam efeito algum? Ou, ainda, que achincalhar e satirizar travestis e transsexuais não gera absolutamente nenhum mal na vida delas?

Os atos mais “inofensivos” podem produzir resultados catastróficos. A rejeição, o julgamento, a discriminação – ora velada, ora explícita -, a exclusão social e familiar, as agressões gratuitas, o desrespeito berrante, a segregação elitizadora, a sensação de superioridade, a impossibilidade de conviver com o diferente. Isso tudo machuca. Isso tudo doi. Isso tudo acaba em sangue, ódio, desigualdade e tristeza. E isso tudo é parte do nosso cotidiano. Está lá fora. Está aí, dentro de casa. Está nas escolas, nos bares, nas ruas. Está no discurso ambíguo e hipócrita de quem defende e propaga a utilização de termos como “homoafetividade”, desvinculando o homossexual de sua sexualidade, sem perceber que causa um desserviço às lutas LGBT (afinal, pessoas que não transam, sendo somente “afetivas”, não precisam de políticas públicas para prevenção a DST’s, ou precisam?). Está na configuração do Estado brasileiro, que permite a permanência, manutenção e continuidade das desigualdades e não proporciona proteção e isonomia em direitos teoricamente “de todos”, como o de casar e adotar.

Precisamos exercer e vivenciar palavras que soam bonitas no papel, mas que na realidade se vêm pouco aplicadas. Respeito. Aceitação. Empatia. E não aquele “tolerar”, do tipo, “te odeio, mas te suportarei”. Falo do colocar-se no lugar do outro, do aceitar sem julgar, do conviver harmonicamente, harmonia essa que tanto nos falta nesses tempos em que pessoas de uma determinada crença se julgam no direito de impingir aos outros, goela abaixo, seus valores, buscando uma normatização, uma normalização e um padrão de unitarismo que jamais existirá: somos plurais! E é bonito ser plural; é normal ser plural e (se) permitir ser assim, (se) permitir pluralizar, ampliar fronteiras. É normal ser diferente. É SAUDÁVEL ser diferente. E não é motivo de vergonha sair do padrão, quebrar paradigmas. É inadmissível que vivamos numa sociedade em que as pessoas precisem usar máscaras, disfarces e armas por serem o que são. É incabível continuar se pensando numa vivência homossexual introjetada, que busque estar dentro dum padrão de aceitação para que se possa viver em sociedade: respeite a “afetação”; conviva com o “espalhafatoso”; aceite a “masculinizada”; crie empatia com o “afeminado”: todos têm direito à dignidade e o respeito, o direito de ser diferente, transgredir e ir além das convenções, dos padrões forçados, dos paradigmas conservadores, das noções de normalidade, de saudável e de ideal.

“Errado” é quem discrimina, quem não faz autocrítica, quem empurra todos os problemas para o outro. “Vergonhoso” é ter a desonestidade intelectual de produzir e praticar ódios e apontar e sentenciar diferenças, ignorando suas próprias diferenças, advindas da subjetividade de cada ser humano, que não anula seu DEVER de lutar contra injustiças e a iniquidade que assolam a nossa civilização, e evitar que esse ciclo de violência continue a se perpetuar. Isso não se faz só com discurso, mas com pensamento praticado, reflexão e ação. E começa dentro de casa, nas microrrelações que cada um de nós possuímos, e daí se estende ao Estado, que tem, ou DEVERIA TER, a obrigação de dar um fim nos circuitos de ódio e discriminação e garantir dignidade, proteção e respeito àqueles que sofrem diariamente na pele o ônus por ousarem ser diferentes, quebrarem paradigmas e desviarem de padrões tidos como “normais”, aceitáveis.

Esse texto é dedicado a todos os meus conhecidos, amigos e familiares que, na minha frente, dizem que são “de boa” com o assunto, que “não têm preconceito”, mas que circulam imagens e comentários de teor escancaradamente homofóbico, preconceituoso e, por vezes, de uma violência explícita, em redes sociais. A todos que insistem em se colocar no papel de palmatória do mundo, julgando o que é certo ou errado, sem sequer refletir sobre suas próprias questões e “imoralidades”. Ao meu namorado, que me arrancou do armário e me fez refletir sobre minhas vivências e pensamentos, suscitou diversas reflexões, possibilitou uma série de transformações e me fez ter orgulho de ser diferente e de lutar pelo direito à diferença. E, claro, a todos que se arraigam a bandeiras e causas que buscam a justiça e o combate à desigualdade e opressão, sem se envergonhar disso – pelo contrário, tendo orgulho! – e ainda acreditam numa utopia, nem tão utópica assim, de que as diferenças podem, sim, ser aceitas, compreendidas e respeitadas.