A guerra do eu contra o nós

Vi no céu da noite um prenúncio,
talvez no modo como as estrelas
quiseram brilhar, escancarando
nas nuvens suas rachaduras
Ou quem sabe pelo toque áspero
do vento, ferindo a pele emocional
Seja brilho, toque ou embrulho
No estômago, na pele, nos olhos
ou mesmo na fumaça da mente

Vi no céu da noite um prenúncio
de um outrora estranho,
agora familiar tempo
Em que a familiaridade
da fome de liberdade
de uns era saciada
na estranheza da carne de outros
Um tempo agora estranho,
outrora familiar
que anunciou a guerra
do Eu contra o Nós

O prenúncio desse morticínio fantasmático
estava escancarado no ar,
e sua confirmação, no nó que se estendeu,
projetando sobre todos os corpos muitas coisas impronunciáveis
Estava nos cálidos festejos daquelas noites fúnebres,
nas quais a morte foi, de forma simultânea,
louvada e ignorada

O solilóquio triunfou, deixando rastros de morte e palavras não ditas,
formando indeléveis nós na garganta
Ali onde foi costurada a ilusão coletiva
jaz enosado o laço natimorto do Nós
Não houve tempo de entrecruzar os nós em Nós
naquele tempo eternamente estagnado

Vislumbrei o triunfo do Deus-Eu contra a Utopia-Nós,
massacrada na noite
Seu corpo estendido sussurrou sem voz outros prenúncios
de coisas que não puderam ser, pois foram queimadas
num previsível e lúgubre incêndio

Se faziam visíveis no céu escarlate
e nas risadas macabras
traços de vindouros massacres
cometidos em nome do direito,
da vontade, da liberdade
do escape, da negação,
ou mesmo em nome de nada

Não é como se algo importasse.

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